maldito transgressor

maldito transgressor
A hipnose é tão aconchegante...
O costume a inércia...
A responsabilidade em ser inteiro adormecida...
A verdade miando lá fora na chuva...
A Televisão que faz o tempo passar tão rápido e confortável...

Não ouço mais os gritos seus
Não ouço mais os gritos meus
Não ouço mais os gritos
Não ouço mais
Não ouço
Não
Ñ
~

HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Carequinha

                 George Savalla Gomes: o palhaço Carequinha


Por Fabrício Lima

Quando pensamos em circo no Brasil, fica impossível não lembrar da figura encantadora e engraçada do palhaço Carequinha, ídolo durante décadas da criançada obediente. Carequinha nasceu George Savalla Gomes, no dia 18 de julho de 1915, na cidade de Rio Bonito, no estado do Rio de Janeiro. Este fluminense, filho dos trapezistas Elisa Savalla e Lázaro Gomes, teve a sina de nascer no circo, berço da história de vida daquele que chegou a ser considerado o melhor palhaço do mundo.








Reza a lenda, contada por ele mesmo nas entrevistas ao longo de sua carreira, que sua mãe sentiu as contrações do parto enquanto caminhava no arame, em pleno picadeiro. Levada às pressas para as barracas que serviam de camarim, Elisa deu à luz o filho nos bastidores do Circo Peruano, pertencente a José Rosa Savalla, avô materno de George que, com 2 anos, perdeu o pai e foi criado pelo padrasto Ozório Portilho que o encaminhou para a profissão de palhaço.



Quando George tinha 5 anos, Portilho colocou uma careca postiça em sua pequena cabeça e disse: “Você será o palhaço Carequinha”. Este foi o ponto de partida de um dos maiores mitos mundiais das artes circenses. Com sua maneira peculiar de fazer rir, Carequinha aos poucos foi conquistando o coração das pessoas com bordões já imortalizados como: “Hoje tem marmelada? Tem, sim senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!”.

Criou o tradicional “Tá certo ou não tá, garotada?”, que era respondido sempre com um empolgante “Táááááá!”, em uníssono. Aliás, as crianças caíram definitivamente nas graças de Carequinha quando ele se tornou o primeiro palhaço a ter um programa – o Circo Bombril, que ficou no ar de 1951 a 1964, na extinta TV Tupi no Rio de Janeiro – junto com os parceiros Fred, Zumbi, Meio-Quilo e outros.

Carequinha inovou o conceito do palhaço no circo mundial. Tratado anteriormente como bobo, ingênuo e imaturo, o palhaço, na sua interpretação, ganhou novos ares: “Fiz uma nova escola. Antes de mim, o palhaço levava farinha na cara, era o bobo, só apanhava. Eu fiz o palhaço-herói, modifiquei o estilo. A intenção era fazer do palhaço um ídolo, e não um mártir”.

Em 1964 recebeu na Itália a medalha de ouro de Palhaço Moderno do Mundo. Devido ao seu sucesso, Carequinha ficou famoso entre os presidentes brasileiros e tornou-se amigo de Juscelino Kubitschek. Na década de 80, apresentou O Circo Alegre, na TV Manchete, programa que antecedeu O Clube da Criança, de Xuxa Meneghel. Em 2001 atuou na Escolinha do Professor Raimundo, da Rede Globo. Gravou 27 LPs e participou de cinco filmes.






Foi um lutador na área circense, sempre citando em suas entrevistas a necessidade da ajuda do Governo para a preservação do circo no Brasil. Por ironia do destino, não conseguiu que nenhum dos filhos o seguisse na profissão. Isto o fez cumprir a promessa de trabalhar até morrer. Carequinha faleceu aos 90 anos, no dia 5 de abril de 2006, no município de São Gonçalo (RJ), em decorrência de problemas cardíacos. Ao conceder uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2001, Carequinha declarou: “O palhaço típico, aquele que nasce com o dom, morre comigo”.

Saiba mais sobre George Savalla Gomes, o palhaço Carequinha:

TORRES, Antônio. O Circo no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte; São Paulo: Atração, 1998.

CARVALHO, Raimundo. Circo Universal. Belo Horizonte: Dimensão, 2000.

CASTRO, Alice Viveiros de. O Elogio da Bobagem: Palhaços no Brasil e no Mundo. Rio de Janeiro: Família Bastos, 2005.



quarta-feira, 28 de abril de 2010

Piolim



                          
                                  Um breve relato sobre a vida de Abelardo Pinto: “Mestre Piolim”.

Seu pai Galdino Pinto, circense brasileiro, nasceu no interior do estado de São Paulo, de pais fazendeiros. Estudou na cidade de Rezende no Rio de Janeiro, e foi nesta cidade, durante um espetáculo circense que assistiu, que se apaixonou por uma atriz. O resultado é que acabou por ir embora com o circo, tornando-se mais tarde ele próprio um homem de circo. Tornou-se proprietário do Circo Americano, onde teve início sua dinastia.

A dinastia Galdino Pinto tem como seu membro mais ilustre seu filho Abelardo Pinto, o famoso Palhaço Piolim. Nasceu em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo em 27 de março de 1897.

Abelardo Pinto viveu sua infância dentro do circo, envolvido nas mais diferentes atividades. Seu treinamento teve início desde muito cedo, e aprendeu as modalidades de ciclista, saltador, casaca de ferro, acrobata e contorcionista, tendo se destacado nesta última enquanto criança. Aos oitos anos de idade apresentava-se no circo de seu pai como “o menor contorcionista do mundo”. Mesmo obtendo sucesso, o menino Abelardo não gostava de suas exibições, como revela mais tarde em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som: “Com oito anos fazia um contorcionismo primário, que só criança pode fazer”.
        

Em entrevista dada ao Jornal Folha de São Paulo em 1957, diz:

“Não fui como os outros meninos, que entravam no circo por baixo do pano. Nasci dentro dele e levava uma vida que causava inveja aos outros garotos. Eu, do meu lado, tinha inveja deles. Eles tinham uma casa, tinham seus brinquedos comuns e podiam ir diariamente à escola. Eu começava a freqüentar um colégio e o circo se transferia. Lá ficava eu sem escola”.*

Revela ainda ao mesmo jornal que seu sonho era ser engenheiro, queria construir casas, pontes, estradas e castelos. Construiu apenas castelos de sonhos de muita gente. “Sou, de qualquer maneira, um engenheiro e estou feliz com isso.”**


O circo Americano estava sem seu principal numero: o palhaço havia ido embora. Então. O Sr. Galdino Pinto foi a São Paulo com o intuito de tentar conseguir um substituto. O filho Abelardo, diante dessa situação, resolveu assumir a profissão de palhaço e sobre essa decisão revela mais tarde – “Pensei: se ele fez, eu também posso fazer palhaçadas”.***

A partir deste momento, o Circo Americano adquire um artista que seria, mais tarde, aclamado como “O Imperador do Riso”.

O “Palhaço Piolim” – apelido dado por uns artistas espanhóis que, ao verem o pequeno trabalhador Abelardo, diziam que ele parecia um “piolim” (barbante muito fino) – surgiu em 1918. Uma outra versão da história, contada pelo Jornal Folha de São Paulo, diz que o apelido foi devido a um favor que Abelardo fez ao um cômico e músico violinista espanhol que se apresentou com ele em um espetáculo beneficente da Cruz Vermelha: a corda do violino do espanhol quebrou-se em cena e Abelardo correu para o camarim e trocou a corda quebrada, substituindo-a por uma de seu próprio violino.
* Jornal Folha de São Paulo, 1957.

** op. cit.

*** Depoimento ao MIS, 1970.






O espanhol, agradecido olhou para Abelardo e disse que ele se parecia um “piolim” (nome dado às cordas do violino). O menino aceitou o apelido e passou a ser chamado por ele. E seria com este apelido que, mais tarde, seria aclamado como um artista de grande importância na cena circense brasileira.

Circo Irmãos Rocha, que havia convidado o Palhaço Chicharrão para uma temporada, mas o artista estava envolvido com um contrato no Rio de Janeiro e não poderia aceitar o convite. Convidaram então o Piolim, que acabou assumindo o papel do palhaço excêntrico e enfrentando o público paulistano pela primeira vez e com muito sucesso. Em depoimento ao MIS, Piolim diz que Chicharrão foi um mestre para ele.

Uma característica do Mestre Piolim era o bom humor nas suas esquetes, segundo Maria Augusta da Fonseca:

“O ponto alto da verve gestual histriônica dos entremezes brincalhões, parece convergir, no Brasil dos anos 20, para a genialidade do Palhaço Piolim, a quem os modernistas de São Paulo prestigiaram e por quem tinham grande admiração”.*

E destaca ainda a importância do circo que, segundo ela,

“(...) não se resumia em fatos corriqueiros e de momento, mas se realizava no caráter social e estético, na criatividade e, principalmente, na figura do palhaço criada por Abelardo Pinto – Piolim”. **

Na sua visão crítica, a genialidade de Piolim estava também na criação de um tipo psicológico universal e ao mesmo tempo caracteristicamente brasileiro:

“A comicidade de Piolim evoca na gente uma entidade, um ser. E de tanto maior importância social que esta entidade converge para esse tipo psicológico geral e universalmente contemporânea do ser abúlico, do ser sem nenhum caráter predeterminado e fixo, do ser ‘vai na onda’.***

* Maria Augusta da FONSECA. Palhaços da Burguesia. p.31

** op. cit.p.35
*** op. cit. p.35






Sérgio Millet aponta, numa crônica transcrita no livro de Alexandre Eulálio, que o francês Blaise Cendrars, amigo de Paulo Prado, foi quem descobriu Piolim: “Cendrars freqüentou o grupo da Semana de Arte Moderna, descobriu Piolim: o maior palhaço do Brasil”.*

Menotti Del Pichia, falando de Piolim, comenta:

“Sua glória nasceu no picadeiro. O picadeiro é a crítica no palco democrático, isto é, a sagração plebiscitária das mais heterogêneas multidões. A arte teatral brasileira deve surgir daí, desse concurso de eleição onde vota o soldado, a criança, a cozinheira, o deputado, o escritor, o plutocrata”.**

O cidadão Abelardo Pinto, “Sr. Piolim” revelou na longa caminhada de construção de sua obra, a habilidade autêntica de um comunicador. Em seus textos de cena (piadas), revelava ao público os traços de sua cultura e seus costumes do cotidiano. Satirizava os conceitos sociais impregnados na vida das pessoas. Construía um mundo a sua volta e este mundo percorria caminhos, mesclando-se com idéias dos indivíduos do povo. É notória sua participação no desenvolvimento intelectual e artístico de milhares de crianças e adultos brasileiros. Entre conversas e encontros com pessoas do circo, vislumbramos uma compreensão da história de vida do Palhaço Piolim.





Este mestre utilizava a palavra como veículo de suas idéias. Piolim, pelo seu grande e bom senso de humor, trabalhava os seus roteiros de cena de picadeiro, incorporando piadas baseadas em circunstancias da vida do homem comum. Picardias, envolvendo as características do mundo da infância. Encenava os sofrimentos dos homens, de maneira global, satirizando a máscaras sociais menos favorecidas (mendigos, bêbados, etc).

Piolim trabalhou anos seguidos para concretizar os seus sonhos que sempre estavam baseados nos ideais de sua tradição circense, sempre pensando no repasse destas tradições e métodos para adeptos do circo.



* Alexandre EULALIO. A Aventura Brasileira de Blaise Cendrars. Apud Maria Augusta da FONSECA. Palhaços da Burguesia. p.31

** Menotti DEL PICHIA. O Modernismo no Brasil. Apud Maria augusta da FONSECA. Palhaços da burguesia. p. 37

Pelo seu caráter de líder e artista, junto à associação do circo do qual foi um dos incentivadores, instaurou práticas de luta pela manutenção e perpetuação da linguagem circense, chegando a ser exemplo para toda a comunidade circense, através da sistematização de suas técnicas circenses, servindo de parâmetro, até hoje, para novos aprendizes.

A história das artes brasileiras mostra o papel deste homem. A transformação que provocou na época chegou num reconhecimento nacional, quando da Semana da Arte Moderna no Brasil, em 1922.



Mestre em varias modalidades, revelou um talento especial também para a música e, como ator, realizou diversos trabalhos. Neste momento, próximo do ano 2000, é possível ainda vislumbrar os ensinamentos preconizados por ele, nas artes cênicas, nas artes plásticas e nas artes corporais, sem falar de centenas de animadores de lazer cultural de Brasil que elegem traços das características de Piolim como ponto de partida para a busca da linguagem pessoal.

No mundo do circo hoje, os novos palhaços tentam utilizar o instrumental idealizado por Piolim, mas este é um caminho que nem todos conseguem percorrer, pois este artista, como cidadão brasileiro, foi exemplo de criatividade e sensibilidade. Os seus ideais de vida estavam abrigados sob a lona do circo e nos horizontes férteis do cotidiano humano.



Desde cedo, Piolim já revelava sua capacidade de comunicador social. Foi um seguidor de suas tradições familiares, um incansável ator, sempre repensando junto ao seu público, os valores de sua época.

No ano de 1971, o Sr. Waldemar Seyssel, o Palhaço Arrelia, organizou um evento nacional e internacional*, que teve por objetivo homenagear Piolim com um “colarinho de ouro”. A vida de Piolim foi marcada por inúmeras homenagens, segundo consta nos documentos, assim como em vídeo que se encontram no Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do arquivo do Jornal Folha de São Paulo.

* O evento foi promovido pelo Circo do Arrelia, em conjunto com a Associação dos Artistas de Espetáculos de Diversão de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo.

Piolim teve três filhos de dezesseis netos. Ele sempre dizia que ser palhaço no Brasil não era grande coisa em razão da falta de amparo.

O grande sonho de Piolim foi criar uma escola de circo. Não conseguiu ver seu desejo concretizado. Faleceu no ano de 1973, aos 76 anos. A escola foi aberta em 1978 e levou o seu nome. Quando morreu morava em um velho camarim de madeira, com pintura, roupas, onde passava o dia todo só, recordando épocas passadas no velho circo da Freguesia do Ó, onde durante muitos anos brilhou o Circo Piolim.




A CARACTERIZAÇÃO DO PALHAÇO PIOLIM

Piolim, figura lendária que por mais de cinqüenta anos reinou, com maestria, no “teatro do povo”. Sua caracterização foi sempre a mesma fisionomia, os mesmos traços físicos – vivos e sublimes. Sua indumentária era composta de um jaquetão maior do que o seu tamanho – bem exagerado, sapatos nº 84, bico largo e sua famosa bengala, que mais parecia um “anzol de pescar submarino”. Piolim, emergido de seu colarinho “impossível”, com a bengala há vinte e cinco anos, pela milésima vez repetia as velhas piadas que divertiram nossa infância. “O Namoro dos Sabiás”, cena tradicional de Piolim, um intérprete genial, sucesso há meio século, conforme acervo do Jornal Folha de São Paulo.





Pode-se dizer que a obra circense que Abelardo Pinto construiu é o seu palhaço. Em diversas pesquisas de campo, ao longo de 14 anos, nos deparamos com a figura de Piolim sendo interpretada por diversos animadores culturais. O lazer foi uma das fontes por nós, eleita para pesquisar as técnicas por ele preconizadas.

Piolim através de sua obra atingiu várias esferas do povo brasileiro: o campo da linguagem cênica, da alfabetização escolar, da televisão brasileira, da diversão para a terceira idade, dos arte-educadores atuantes na área de lazer esportivo.






- Respeitável Público... Boa Tarde... Porque o Circo vai Começar...

Quem pode se esquecer deste gostoso cumprimento, acompanhado da característica música da bandinha circense?

É com muita saudade que me recordo das matinés aos domingos, quando ia com meu pai ou com minha tia ao Circo do Piolim, nos idos anos 50.

Instalado numa quadra da Avenida General Olímpio da Silveira, entre as ruas Olímpia Prado e Lopes de Oliveira, onde ele permaneceu por muitos anos, desde que veio do Beco do Largo Paissandu, onde se instalara nos anos 30, todas as pessoas que passavam na rua ou nos bondes, não podiam deixar de ver aquela lona que caracterizava o seu Circo Mambembe, como se chamava os circos de lona, onde se apresentava e morava com toda a família.


A foto dos dois quadros a óleo do circo mambembe, são a visualização de como eles eram, para quem não os conheceu.  

No chão batido de terra, os carrinhos de pipoca, algodão doce, pirulito e machadinho, disputavam a freguesia da entrada, após a compra do bilhete na bilheteria.

À medida em que chegávamos, íamos entrando e nos instalando nas poltronas da platéia como era chamada, rodeando o picadeiro. Essas cadeiras eram de madeira tipo poltrona sem estofamento e cujo assento dobrava, para aumentar a passagem entre elas quando não havia ninguém sentado.

Contornando a lona havia as arquibancadas, umas quatro ou cinco fileiras de tábuas compridas de madeira colocadas em forma de degraus sem encosto, onde as pessoas sentavam e chegavam quase na lona do teto e que chamávamos de puleiro, pois lembrava um puleiro de galinheiro.


Pendendo do teto da lona estavam os trapézios que eram o top das atrações, com seus trapezistas vestidos em trajes coloridos e brilhantes de lantejoulas, fazendo piruetas incríveis no ar, eu os adorava.

O programa sempre começava com o desfile de toda a companhia, com a presença de todos os artistas: malabaristas, ginastas, mulher de borracha, os domadores e treinadores de animais, os mágicos, os equilibristas, os trapezistas, as dançarinas, os artistas que encenavam mini peças, os músicos e... os maravilhosos palhaços, sempre em grupinhos, entravam já fazendo brincadeiras, piruetas e cabrioladas para o delírio da garotada e atrás de todos, o maior deles: o Piolim.




Vestindo seu terno com uma incrível e gigantesca gola, onde existia uma pequena gravata borboleta, a inseparável cartola preta e a grossa bengala, arrancava gritinhos de felicidade de todos os presentes... enquanto as crianças gritavam: Piolim, olha eu aqui... ou cuidado com o Pinatti, com seu chapeuzinho cone, (seu parceiro na época, era seu pai), olha o que ele está fazendo... pois, sem dúvida ele estava sempre armando alguma pra cima do Piolim... que estava sempre distraído... e caindo na dele...

Meu Pai me contou na época, que o verdadeiro nome do Piolim era Abelardo Pinto, de família tradicional circense, era filho de Galdino Pinto, também palhaço, pois toda a família trabalhava nesse circo junto com ele.

Nascido em 27 de março de 1897 na cidade de Ribeirão Preto, estreou na cidade de São Paulo quando ainda era menino, junto com seu pai, em 17 de maio de 1913 e tornou-se tão famoso que o Dia Nacional do Circo é comemorado em sua homenagem na data de seu nascimento!

Sua filha a atriz Ana Ariel acostumou-se desde cedo com o aplausos, pois aos sete anos já brilhava no picadeiro com seu pai e, estreou na TV em 1968, na novela “Sangue e areia”, fazendo diversos trabalhos e novelas da Rede Globo até sua morte em fevereiro de 2004, e o palhaço Figurinha atualmente com 82 anos era genro do Piolim.

Com os olhos pregados nos palhaços, assistíamos às suas irreverências, mastigando pipocas e amendoins.



Às vezes eles interagiam com a platéia jogando um chapéu ou alguma coisa que depois vinham pegar, pediam para que as crianças escondessem do outro e a colaboração era total...

Outras vezes ele planejava entrar no lugar do trapezista e fazia tudo muito bem feito, pois era excelente cômico, acrobata, ginasta e equilibrista, mas, claro que o seu número acabava sempre com ele despencando ou se metendo em alguma embrulhada com a chegada do ator principal... e as crianças vibravam quando ele conseguia escapar da confusão ou fugir da encrenca.

Devido à sua grande qualidade profissional, foi homenageado por intelectuais, escritores e artistas como Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida e o italiano Pitriguilli*, entre outros, e participou de movimentos artísticos em São Paulo, como A Semana de Arte Moderna de 1922 sendo denominado o "Rei dos Palhaços".

Abelardo foi apelidado de Piolin, por um espanhol que lhe disse não achar possível que se tornasse um palhaço, pois era muito magro e tinha as pernas muito finas, parecendo piolim, que significa barbante. No Rio Grande do Sul, a linha que empina pandorga (papagaio) também é conhecida por "piola" ou "piolim", acredito que se deva o fato a influencia da língua espanhola dos vizinhos Argentina, Paraguai e Uruguai.


Na foto ao lado, original de Rosenfeld, extraída do livro "Teatro Brasileiro", de Clóvis Levi, vemos Piolim na encenação de "Piolim vai à Guerra", em 1930, realmente ele era bem magrinho e baixinho.

Um dia para a tristeza de muitos, desapropriaram o terreno do circo, e ele foi intimado a deixar o local...

Foi uma comoção geral no bairro, ele ficou tão triste que pensamos que não conseguiria superar a tristeza, mas, nada se pode fazer e ele teve de ir embora dali, apesar que durante muitos anos nada se fez ali.

O vazio do terreno abandonado com as marcas deixadas por muitos anos da lona e das pessoas que ali passaram horas felizes, não nos deixava esquecer o vazio dos nossos corações e a saudade daquele homenzito.

Anos depois, ali se construiu um prédio enorme que funciona atualmente como Bingo e na outra parte da construção esteve abandonada e inacabada até o ano passado de 2003!

Ele foi chamado a se apresentar na TV e tentou se instalar em outro local mas, não deu mais certo... sua presença havia ficado impregnada no terreno da General Olimpio...

Morreu em 1973 aos 76 anos, preocupado com o futuro do circo, pronunciando esta frase pouco antes de morrer:

"O circo não tem futuro, mas nós, ligados a ele, temos que batalhar para essa instituição não perecer"

O que realmente ele conseguiu pois hoje existe uma Escola de Circo que leva o seu nome e as nossas lembranças.

Redijo aqui a Poesia de João José Correa:

O palhaço

Do meu tempo de criança,
Quanta lembrança! ... a mais doce,
Talvez fosse a mais singela
E a mais bela — a do Piolin!...
Ele era assim ... encantado! ...
Palhaço desengonçado
Que tanto fazia rir! ...
Sua bengala ... sua peruca ...
Sua cuca tão carequinha! ...
E sua linda cachorrinha,
Puxada pela coleira,
Toda tchan, toda matreira,
Que nunca o abandonava
E saltava, quando ouvia:
— Pula, Fia! ... pula, Fia! ...
Hoje bateu uma saudade
Danada, daquela idade
Tão linda e despreocupada
Que passou tão de repente,
E a gente nem percebeu.
Fui feliz? Realizei
Os sonhos com que sonhei? ...
Eu busquei o que devia,
Ou lutei por quase nada?
Algum dia eu fiz sorrir
A platéia que me via?
Não sei bem o que diria! ...
Só sei que... — inveja danada
De quem representa, e bem,
Seu papel no picadeiro,
Deste mundo complicado,
Em troca de quase nada! ...
Por falar em gente assim,
Que fim teria levado
Meu encantado Piolin? ...

* O escritor italiano Pitriguilli não existe. Acredita-se que seja o apelido de Dino Segre. Frases dele:
"Só se preocupa com matar o tempo quem não percebe que o tempo o está matando".
"As rosas não tem outro dever na vida que serem belas".
"Poetas são engarrafadores de nuvens".



Torresmo





                    O MESTRE BRASIL JOSÉ CARLOS QUEIROLO: PALHAÇO TORRESMO

Nasceu em Espírito Santo do Pinhal, no dia 04 de abril de 1918, quando o circo Irmãos Queirolo, de propriedade de seu pai e tios, itinerava pelo o interior do Estado de São Paulo. Filho único de Jose Carlos Queirolo, Palhaço Chicharrão e de Dona Graciana Cassano Queirolo, atriz. Ele uruguaio e ela Argentina. Desde a mais tenra idade (3 anos), tomou parte nos atos de seu pai, com o nome de Chicharrãozinho, a sua infância e adolescência estudou, inicialmente no colégio Caetano de Campos e depois no Colégio Ginásio Ipiranga. Juntamente com seu pai e sua mãe, excursionou por todo o Brasil e alguns países estrangeiros.

Foi cantor de tangos e melodias mexicanas, compositor e poeta. Após formar-se em 1938, seguiu com seus pais para excursionarem com o “Circo Cine Mundial”, uma mistura de circo e cinema, pelo o Estado de São Paulo, permanecendo nessa excursão por 10 anos.

Torresmo toca saxofone, marimba, violino. “Eu sou um artista de verdade e hoje ninguém quer pagar artistas de verdade. Mas as crianças gostam de nós, dos verdadeiros palhaços. A cada risada delas, quando me vêem, tenho certeza disso”.*

* Jornal Folha de São Paulo. 1975




Aos domingos, ele sempre repete a mesma frase: “Assim não agüento” e a criançada grita: “Guentaaaaá”.

Torresmo foi um bebê bonito e rechonchudo, cantava tangos lindamente aos 7 anos, e tem, aos 69 anos, a disposição de 50 anos. Foi equilibrista, trapezista, malabarista, aramista e domador de muitos bichos.

Torresmo estreou seu palhaço, em Juiz de Fora, juntamente com seu pai e seu tio, o Palhaço Harres. Torresmo fazia parte de uma cena cômica dos dois; dentro do roteiro, tinha uma mala e os dois falavam de pegar a mala, daí surgia um palhaço bravo de dentro da mala. Era o Torresmo, com os olhos azuis e corpo esbelto. Antes de ser Torresmo, foi Bombonzinho, Berimbau, Fubeca e Catatau.






Torresmo, afirma ser uma pessoa bem-humorada e que pretende chegar até o ano 2000. Vaidoso, confessa que já pensou em dar uma retocada no rosto, mas o filho Pururuca, não gostou da idéia. Esta casado há 43 anos com Otília. Além de Pururuca, tem um filha, Gladismary, cinco netos e dois bisnetos. Lembranças têm muitas, mas prefere não viver de recordações. Aos domingos, quando se veste de Torresmo e anima o pequeno circo, montado junto ao restaurante, na Serra da Cantareira, a criançada morre de rir, quase caindo das cadeiras.

Em 1943, o Brasil estava na 2ª Guerra Mundial e eles foram para o Rio de Janeiro, a chamado do Revistógrafo Jardel Jercolis, onde na sua Companhia de Revista, no Teatro Recreio, ocupou o lugar de 1º Ator Cômico. Voltando ao interior de São Paulo, em 1944, casou-se na cidade de Ibirarema, com Otília Piedade, nascendo uma filha Gladismary eum filho: Brasil José Carlos. Foi locutor das rádios de Adamantina e Lucélia, de 1948 a 1949.




Trabalhou no Circo Alcebíades, do pai de Fuzarca, amigo e dupla cômica. Realizou apresentações no circo dos famosos palhaços: Piolim e Arrelia. Entre os circos que se destacou, constam: Norte-Americano e os Irmãos Queirolo, situados na cidade de Curitiba. A Família Queirolo, também marcou época no sul do país, através do famoso Palhaço Chic-Chic, Otelo Queirolo e seus filhos artistas.

Torresmo fixou residência em São Paulo, no bairro de Mandaqui. Em 1950, tendo conhecimento da Tv, acreditou no sucesso desse meio de comunicação. Participou do programa de Luiz Gonzaga, no Cine-Teatro Odeon e foram vistos pelo “olheiro” da TV Tupi, canal 3, no programa do artista Humberto Simões (famoso ventríloquo brasileiro). Humberto apresentou Torresmo ao diretor Cassiano Gabus Mendes – 1º diretor de TV no Brasil. No dia 12 de outubro de 1950, dia das Crianças, Torresmo estreou no canal 3, TV Tupi Difusora, às 20:00hs, desde então, dedicou-se a programas infantis, na TV brasileira, tendo atuado em todos os canais da TV de São Paulo, nos mais variados programas: Calouros Mepacolan, Gurilândia, com o famoso artista Homero Silva; Zás-Trás, na Globo; Recreio do Torresmo, no canal 2; Torresmolândia, no canal 9, TV Excelsior; Tic-Tac e Pururuca , na TV bandeirantes; Gincana Kibon, na TV Record e muitos outros no período de 1950 a 1964. Aposentou-se da TV e, “agora só faço free-lance e se o cachê interessar”, diz ele. A dupla Torresmo-Fuzarca fez um sucesso na TV brasileira. Através de seus espíritos revolucionários, na figura de seus palhaços, mostraram para o Brasil o circo, suas origens, suas tradições e seus símbolos poéticos.

O Sr. Brasil José Carlos Queirolo – Palhaço Torresmo, foi funcionário da Delegacia do Tesouro Nacional, durante 14 anos. No ano de 1960, decidiu trabalhar somente com a atividade circense. No programa “O Grande Circo”, junto com Pururuca – seu filho, Chupeta, Chupetinha, Pimentinha e outros excêntricos, desenvolveu um trabalho que marcou a presença do circo na televisão brasileira (TV Bandeirantes), no ano de 1973 a 1982. Foi feito um vídeo, lançado em todo o Brasil com grande êxito.

Nos anos de 1983 a 1987, retirou-se para o seu sítio, em Mairiporã, para tratamento de saúde, sendo pequena sua atividade artistica. Nesse período, seu filho abriu um restaurante na Serra da Cantareira.

Torresmo fez diversas atividades para as crianças e adultos, no restaurante do seu filho. Recuperado da enfermidade, voltou para São Paulo e trabalhou no Programa Bombril, da TV Bandeirantes.

Torresmo foi considerado pela Câmara Municipal de São Paulo, como um ser em plena peregrinação artística e recebeu a Medalha Anchieta e um diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo. Em 1982, foi-lhe conferido o Título de Pinhalense Emérito, outorgado pela Câmara Municipal do Espírito Santo de Pinhal, onde nasceu.

Torresmo revive, aos domingos, a garotada. Sem pintura no rosto longe das roupas extravagantes e do sapato enorme, ele não é “Torresmo” – “Não consigo fazer palhaçadas, sem estar pintado e vestido, até ando diferente”, comenta.

Albano Pereira, companheiro de palhaçadas de Torresmo, faleceu no ano de 1964. Daí em diante, forma dupla com seu filho, o Brasil José Carlos Queirolo – “Pururuca”, ele com 15 anos de idade.

Possui inúmeros troféus e diplomas de agradecimentos, pelo seu trabalho para a comunidade brasileira e a TV Bandeirantes concedeu-lhe o Troféu Bandeirantes, Torresmo gravou 80 discos infantis e trabalhou 30 anos na TV. No ano de 1993, faleceu o Sr. Brasil José Carlos Queirolo – Palhaço Torresmo, na época tinha 76 anos de idade. Sua história continua viva através de seus filhos e netos.

Em depoimento prestado no 1º Encontro de Artistas Circenses da UNICAMP, no ano de 1989, Torresmo fala:

“Ao pisar pela primeira vez em um picadeiro, aos três anos, logo vi que seria um artista. Fui o primeiro Queirolo a nascer no Brasil, em Espírito Santo do Pinhal. De picadeiro em picadeiro, fui chamado de Fubeca, atuei com muitos palhaços e sempre fui atento as nomenclaturas de cada tipo. No mundo circense, há o palhaço que pinta o rosto de branco e sabe de tudo um pouco. É o Clown – o excêntrico que erra as palavras e faz trapalhadas. O outro é o Tony ou Suarê – este entra no picadeiro somente nos intervalos dos números do circo.




No Brasil, quem introduziu o palhaço tradicional, que usava o sapato grande, o nariz que brilhava e muito mais, além de ter sido o mestre do Palhaço Piolim, foi meu pai Chicharrão.

Graças a Deus, me aposentei bem e consegui com a televisão, o meu nome; o que meu pai levou 10 anos para fazer, em nome do seu reconhecimento, eu fiz em 1 ano de TV. Pude mostrar a história das famílias circenses voltadas para a alegria.

Antigamente eram os palhaços que chamavam o público, eles eram a atração principal. Os de hoje não sabem nem se pintar sozinhos e se pintam com cara de engraçado, como dizia Fuzarca. Não passam nenhuma emoção para o público. Nós somos a tradição e a memória que o Brasil não tem. Os inovadores não acrescentaram nada (...)”

Com a morte de Fuzarca, em 1964, Torresmo passou a fazer dupla com seu filho, o Palhaço Pururuca e continuou entre o palco e a lona. Ele recordava o passado e guardava suas palhaçadas ou excentricidades, para teatros e residências.

“O picadeiro cansa muito, mas ainda estou preparando minha maquiagem para o ritual de transformação de Brasil Queirolo em Torresmo”.

Torresmo não se arrepende da vida dedicada a circo e vê, eterno, o futuro da lona. De tristeza, apenas de saber, que mesmo com veteranos palhaços, ensinando sua arte a TV pouco aprendeu do picadeiro. “Não me queixo da televisão, que me deu nome, mas ela não aproveitou nada do circo, em troca de efeitos e luzes”.

AS VONTADES DE TORRESMO

Torresmo, artista, segundo ele desde eu nasceu, está começando a transformar em realidade, um velho sonho: “Quero morrer debaixo de uma árvore, vendo as crianças brincarem”.

TORRESMOLANDIA: lugar que inventou, é uma espécie de conto de fadas para a criançada. Construiu uma casa de brinquedo – do seu tamanho: 1,50m e diz que já começou a colecionar bichos. Por enquanto, a Torresmolândia têm dois periquitos, vários canários da terra; mas numa dessas manhãs, amanheceu fungando e ao por do sol, todos com lágrimas nos olho, participaram de um pequeno funeral.

O velho palhaço continua com a disposição de sempre. Diz que a Torresmolândia será bastante ampliada. Hoje ela já conta com um velho Ford 1915, que está mais novo do que um zero quilometro. No futuro, haverá locomotivas com vagões com altura não superior a 1,50m e no imenso parque que Torresmo imaginou, cada Estado do Brasil estará representado com suas danças, lendas e pratos típicos.

Na Torresmolândia, todos os sábados e domingos, às 15:00hs têm show especial. O importante é que tudo é de graça, fala Torresmo, com um sorriso de orelha à orelha, que deixa muito adulto envergonhado.

Brasil Jose Carlos Queirolo - Palhaço Torresmo – faleceu em agosto de 1996.

CARACTERIZAÇÃO DO PALHAÇO TORRESMO

Uma figura de tamanho excêntrico: 1,50m de altura usava uma casaca de retalhos coloridos e um laço, também colorido, sapatos grandes e um guarda-chuva completamente desmembrado e um sorriso que vai de ponta à ponta do seu rosto. A sua pintura bastante alegre revelava os traços do cômico excêntrico que estava presente na figura do Brasil José Carlos Queirolo e considerava-se um cômico do picadeiro tradicional.





Filho de pai uruguaio e mãe argentina, sua vida inteira foi dedicada ao circo, pois ele nasceu na família do palhaço Chicharrão, seu pai, que se chamava João Carlos Queirolo, considerado um mestre do circo. Ele nasceu no dia 04 de abril de 1918. A mãe Graciana era atriz. Aos três anos Brasil José tomou parte em uma apresentação com o nome de Chicharrãozinho. Na adolescência estudou no Colégio Caetano de Campos e depois no Ginásio Ipiranga. Com os pais excursionou por todo Brasil e alguns países estrangeiros.
Foi cantor de tangos e melodias mexicanas, compositor e poeta. Aprendeu a tocar saxofone, marimba, violino. Era um artista completo. No circo foi equilibrista, trapezista, malabarista, aramista e domador de animais. Mas foi sobretudo palhaço. Foi locutor de rádio, mas ficou sabendo que a televisão ia ser inaugurada no Brasil. E apareceu na TV Tupi. Estava lá no dia 18 de setembro de 1950, ao lado de Fuzarca, com quem fez dupla. A dupla aparecia nos programas infantis, com muito sucesso. Quando Fuzarca faleceu Torresmo passou a trabalhar com seu filho, já mocinho, e que adotou o nome de Pururuca (além dele, Torresmo teve uma filha, Gladismary - ambos do casamento com Otilia Queirolo). Torresmo também passou por outras emissoras de TV: Record, Cultura, Excelsior, Bandeirantes e Gazeta.

Arrelia






                             O MESTRE WALDEMAR SEYSSEL – PALHAÇO ARRELIA

Waldemar Seyssel, o famoso Palhaço Arrelia, cuja família se confunde com a história do circo no Brasil. Aos 91 anos, a maior parte dos quais passados no picadeiro ou nos estúdios de TV, Arrelia é daquele tempo em que os artistas de circo praticamente nasciam no picadeiro. A arte circense ia sendo ensinada de pai para filho e nenhum membro da família pensava em se dedicar a outra atividade. Ele começou a atuar com seis meses de idade. Foi no circo chileno de seu tio, irmão de sua mãe; “Precisamos, para a comédia, de uma criança que chorasse muito e eu era um especialista em choro”, fala Arrelia.

Sua família começou a se dedicar ao circo a partir do avô paterno – Julio Seyssel, que nascera e vivia na França. Era professor da Sorbonne, quando conheceu uma jovem espanhola, artista de um circo que excursionava pelo o país. Fazia acrobacias em cima do cavalo e Júlio apaixonou-se por ela.

Sua família não queria o casamento, mas os dois resolveram se casar mesmo assim. Júlio deixou o cargo de professor da Sorbonne e foi morar no circo. Tornou-se apresentador de números circenses. O casal acabou vindo para o Brasil com o Grande Circo inglês dos Irmãos Charles e ao invés de prosseguir com a excursão para outros paises, ficou por aqui mesmo, dando origem a uma linguagem circense: filhos e netos, dedicados a arte circense. Só Arrelia tem mais cinco irmãos que foram do circo. O Palhaço Pimentinha, Walter Seyssel é filho de Paulo Seyssel, o Palhaço Aleluia, irmão de Arrelia.

Arrelia depois de longos anos de trabalho dentro do circo, resolveu trocar o picadeiro pela televisão, foi o primeiro da sua família a abandonar o circo, resolveu investir na TV. Arrelia falava que o circo não dava dinheiro suficiente para viver, ele tinha medo de acabar sua vida na Casa do Ator. Em 1958, foi a vez de seus irmãos entrarem na TV e foram trabalhar com ele na TV Record. Segundo Arrelia, o circo não progride no Brasil por falta de escolas de circo, reconhecidas pelo governo. Os grandes circos são obrigados a trazerem os artistas de fora, porque não há profissionais. As famílias tradicionais foram deixando de ensinar seus filhos, ou eles não quiseram aprender. Arrelia diz que nenhum de seus filhos é de circo e quem quiser aprender a arte, praticamente não tem mais como fazer.

Waldemar Seyssel começou em circo, saltando, passando pelo trapézio, pela cama elástica e em outras acrobacias, com seus dois irmãos, Henrique e Paulo. Mas quando o pai cansado deixou o circo, substituiu o nome artístico, usando o apelido de família que seu tio Henrique lhe dera: Arrelia. “Porque eu sempre fui muito inquieto, dando muita sorte e pagando com facilidade, principalmente junto ao público infantil”.* Seu primeiro parceiro foi o ator Feliz Batista, que fazia o palhaço de cara branca, vindo depois o irmão Henrique Sobrinho e finalmente, quando deixou o circo, em 1953, pela televisão, outro parceiro foi o Palhaço Pimentinha, Walter Seyssel, seu sobrinho.

O avô de Waldemar, Ferdinando Seyssel, saiu de Seyssel, região de Grenoble, na França, com a filha do diretor de circo, uma excelente eqüestre. Na Itália, trabalhou com os irmãos Fratellini. Na Áustria nasceu o filho mais velho, na França o segundo, na Alemanha o terceiro, na Argentina nasceu Vicente, outro filho e no Brasil nasceu Henrique, mais tarde artista famoso. Júlio Seyssel, pai de Waldemar, nasceu na Itália, mas veio para o Brasil com os pais aos dois anos de idade juntamente com o Circo Irmãos Charles da Inglaterra.

Júlio criou no Brasil, o tipo “Pinga-Pulha”, que é um tipo de palhaço que usava muita acrobacia e toava violino. Waldemar Seyssel – Palhaço Arrelia – tem uma imagem sofrida, de homem cansado de tantas lutas, a cada saída honrosa para a arte que ele assimilou de seu pai, Ferdinando Seyssel, na pureza do picadeiro: “uma simples pintura no rosto, gestos que atendiam até o rebolado, tudo para ver o sorriso franco da platéia, de crianças, adultos, brancos, negros, ricos e pobres, sentados na arquibancada tosca”.** Os tempos mudaram e Waldemar Seyssel sabe da realidade, embora não desanime: “Sou o último que ainda quer o picadeiro de terra batida, a arquibancada circular, envolvendo o pavilhão, os camarins sem luxo, o pipoqueiro na porta e na marquise do circo. Não sei se conseguirei, mas minhas reivindicações estão ai há anos, esperando uma decisão favorável das autoridades”.***






                                        CARACTERIZAÇÃO DO PALHAÇO ARRELIA

Ele próprio diz ser um palhaço bem diferente. Alto e desengonçado, quando todos os palhaços excêntricos são baixos, sem sapatos de bicos imensos e finos e sem bengalas compridas, falando difícil sem saber e errando sempre. Enfim, é um tipo de rua, “um misto de gente que encontrei no circo, teatro, cinema, TV e na própria rua. Um tipo que vai indo aos trambolhões, mas vai indo, mesmo sem instrução e metido a sebo” *, fala Arrelia. Ele acredita muito no estudo acurado do personagem, que vai representar e o sucesso depende muito disso, e por isso mesmo acha que a escola de circo será um sucesso pleno. “A forma com que as crianças me procuram, prova não só o interesse que elas têm pelo Palhaço Arrelia, mas também o interesse que elas têm pelo espetáculo circense em geral”.**

Definindo-se como palhaço fora de órbita, Arrelia cita grandes nomes da sua arte: Eduardo Neves, Benjamim de Oliveira, Polidoro, Caetano Namba, Serrano, Alcebíades e Henrique Seyssel, seu irmão e parceiro.

Waldemar Seyssel- o Palhaço Arrelia - faleceu em 2005, aos 99 anos na cidade do Rio de Janeiro.





Um lampejo da arte de Arrelia foi capturado por Roberto Freire, ao testemunhar o movimento do palhaço num espetáculo para crianças órfãs nos anos 1960, tendo como palco o teatro João Caetano, centro de São Paulo. O escritor provoca o encontro entre Arrelia e Waldemar Seyssel, o homem. Um tem quarenta anos e o outro está na casa dos sessenta. O perfil do homem imponente, porte de diplomata, não pode ser traçado sem a intromissão do palhaço de bonezinho vermelho. Vale a pena conferir o texto desse intérprete da fusão de duas personalidades, lido pela primeira vez nas páginas da revista Realidade, uma relíquia para a memória do circo brasileiro e um belíssimo registro de jornalismo literário.


"Os ônibus param na porta do Teatro João Caetano, em São Paulo. As crianças de uniforme vão descendo, às dezenas, e formando filas. Há um brilho de impaciência nos olhos de cada uma. As professoras do orfanato têm algum trabalho para encaminhá-las em ordem para o interior do teatro. Mas existe uma ansiedade tranqüila enquanto se espera o iníco do espetáculo.

Três senhores, vestindo grossos casacos - é uma tarde gelada, escura e triste - saltam de um carro e dirigem-se rapidamente para a entrada dos artistas, no fundo do teatro. São parentes. Pertencem à família Seyssel. O mais velho, Waldemar, pelo jeito de falar, elegância e porte, maneira polida e educação, parece um diplomata. Eles sobem as escadas que levam aos camarins. Meia hora depois, aparecem no palco três palhaços dos mais famosos e queridos do Brasil: Arrelia, Pimentinha e Henrique.

A criançada aplaude, ri e grita. Depois, em coro, repete junto com Arrelia e Pimentinha o tradicional cumprimento entre os dois palhaços, ao ritmo do Zé Pereira:

- Como vai, como vai, como vai; como vai, como vai, vai, vai?
- Eu vou bem!
- Então, muito bem, muito bem, muito bem; muito bem, muito bem, bem bem!

Sempre participando, batendo palmas, rindo as crianças - chegado o final do espetáculo - respondem aos acenos dos palhaços. Mas nessa tarde ainda tem mais: eles descem para a platéia e vão de fila em fila, cadeira em cadeira, criança em criança, apertos de mão, abraços, beijos, carinho. Uma menina beija a ponta arrebitada e de cera do nariz de Arrelia. Nenhuma fica sem um gesto de amor engraçado e no meio daquela alegria aparece o calor da amizade verdadeira, muito terna e antiga, da infância por seu ídolo de sempre: o palhaço.O senhor Waldemar Seyssel deixa o teatro e entra em seu carro. Antes que o chofer dê a partida, um dos diretores do orfanato traz um garoto para junto da janela:

- Obrigado, senhor Waldemar.

O menino também quer agradecer, em nome de seus amiguinhos.

Waldemar Seyssel olha a criança e quase não consegue conter a emoção. Uma lágrima ameaça escapulir de seus olhos. Com indisfarcável timidez aperta a mão do menino. Este estranha-o e não consegue falar. O carro parte. Depois de um longo silêncio, Waldemar vira-se para Henrique:

- Viu? O Waldemar tem dificuldades para lidar com as crianças. Se estivesse como Arrelia naquele momento, daria uma cambalhota na calçada e ficaria rindo junto com o garoto. Não haveria necessidade nenhuma de agradecimento e ninguém sofreria por precisar de ajuda e querer ajudar.

Embora vivendo na mesma pessoa, Waldemar Seyssel e Arrelia são dois homens bastante diferentes. Admiram-se, respeitam-se.

Há muita gratidão de um para outro. Às vezes surgem problemas nessa amizade de 40 anos, mas não é nada grave e os dois vão tocando para a frente uma vida inteira dedicada à alegria de algumas gerações de crianças brasileiras.

Quem convive com ambos, espanta-se com essas diferenças. E apenas Waldemar gosta de falar nelas. Arrelia prefere rir de tudo.

- Ele é assim mesmo - explica Waldemar - por isso gosto dele, e as crianças também. Um palhaço que se preza não complica as coisas. Ao contrário, reduz tudo à maior simplicidade, e o que é sério vira brincadeira, o que é triste se transforma na maior alegria.

E procura estabelecer as diferenças de personalidade entre os dois. Bem no fundo, acredita ser Waldemar a matéria e Arrelia o espírito de sua pessoa. Nem todo mundo consegue, quando quer, a felicidade de ver claramente o próprio espírito e conviver com ele. Os palhaços conseguem sempre.

Até hoje, Waldemar acha estranha a forma como se transforma em Arrelia. Pode já estar pintado, vestido, pronto, mas o palhaço só surge mesmo quando corre a cortina, e ele vê e sente o público.

- Então - diz Waldemar - é como se o palhaço fosse um boneco de borrachia vazio que o riso e a alegria repentinamente enchem de vida. E nunca, por qualquer razão, Arrelia deu lugar a Waldemar diante do público.




Um famoso poema de Henrich Heine - Dor de Palhaço - conta a história de um palhaço que não pôde chorar pela morte da mãe porque a notícia chegou na hora em que ele devia entrar em cena. Arrelia viveu o mesmo drama. Estava participando de um show em Petrópolis e fazia uma pantomima aquática. Quando chegava o momento de se apresentar, soube que sua mãe havia morrido em Barra do Piraí, não muito longe dali, no Estado do Rio mesmo. Arrelia fez o espetáculo, e o público - comentaram depois seus colegas - riu como nunca havia rido com aquelas cenas.

É espantoso - diz Waldemar - como não consegui me lembrar no dia seguinte e, mesmo até hoje, do que fiz naqueles momentos. Talvez seja resultado do esforço desesperado para impedir que o Arrelia soubesse do acontecido.

Waldemar reconhece que às vezes é egoísta. Mas Arrelia nunca foi, nem se queixa do fato de ter sido sempre explorado por ele. Tudo o que Waldemar tem de melhor na vida veio do palhaço: dinheiro, conforto, amigos, fama, as grandes alegrias humanas e profissionais.

- E eu só o faço trabalhar para mim, queira ele ou não, como um empresário exigente, implacável - confessa Waldemar, com um sorriso meio encabulado.

Porém, talvez para se aliviar de um sentimento de culpa, faz uma ressalva:

Em compensação, só eu vivo com as preocupações e os problemas do empresário; certamente por isso o Arrelia me perdoa o egoísmo.

Waldemar sente também um certo complexo de inferioridade em relação ao palhaço que inventou, pois ninguém o julga capaz de fazer qualquer coisa bem feita de cara limpa. E Arrelia é espertíssimo, em tudo, muito malicioso, rápido, sabe mágicas, faz acrobacias, doma bichos, tapeia quem quer tapeá-lo e sai sempre por cima em qualquer situação. Já Waldemar é péssimo para negócios, muito tímido, atrapalha-se diante dos outros e, acima de tudo, não tem graça nenhuma. Quanto às suas dificuldades para realizar acrobacias de circo na vida de todos os dias encontra uma desculpa:

- Eu tenho 60 e ele só 40 anos...

Há um único momento em que consegue identificar-se com a sua outra metade - é quando escreve ou inventa quadros, cenas ou piadas para o palhaço. Mas, mesmo assim, a identificação é apenas parcial, pois o Arrelia muda tudo no picadeiro, em função do público. Por exemplo, se vê alguém triste ou sério na platéia, o palhaço só trabalha e faz graça para esse alguém; até fazê-lo rir. E Waldemar, no escritório, diante da máquina de escrever, não pode prever isso.

Como quase todo mundo, Waldemar Seyssel precisa e gosta de dinheiro. Não gasta muito e arrisca pouco. Arrelia, ao contrário, é famoso apostador, mesmo sem ter com o que pagar. À menor dúvida em relação a qualquer de suas afirmações, entra logo com a pergunta:

- Quer apostar?

No amor também são opostos. Em 1967 Waldemar completa 25 anos de casado. Tem quatro filhos e sete netos. Foi muito feliz neste casamento, gosta de ficar em casa e é bom marido. Só viaja acompanhado da mulher, com quem conheceu todo o Brasil, boa parte da Europa e dos Estados Unidos.

Arrelia é solteiro, malandro, sempre às voltas com mil mulheres; quando apaixonado é romântico, amoroso. Confiante ao extremo, quase sempre sai mal em suas paixões. Mas não desiste e não se corrige. É um sonhador, e jamais saiu do Brasil.

Waldemar nunca fumou. Arrelia é grande fumador de cigarros, cachimbo e charutos. Waldemar é um bom garfo, mas Arrelia é um comilão terrível não pode ver uma banana na mão de alguém que já quer um pedaço e, se bobearem, ele come tudo. Numa coisa estão de acordo: nenhum dos dois gosta de falar de politica.





Waldemar, antes de entrar para o circo, estudou até o último ano de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. Leu bastante e em sua biblioteca misturam-se os clássicos e os autores brasileiros contemporâneos. Procurando inspiração para suas famosas comedinhas, lê histórias infantis de todos os tempos e contos policiais e ficção científica. Há pouco adaptou César e Cleópatra, de Bernard Shaw. E, com um sorriso, diz que obrigou o palhaço a fazer o papel dos dois personagens.

O sorriso de Waldemar se transforma numa boa risada quando ele lembra uma situação embaraçosa em que colocou o palhaço. Só que desta vez foi sem querer: no dia da primeira apresentação pública da televisão em São Paulo, Arrelia fazia parte do show que era apresentado de hora em hora para um único aparelho receptor instalado no Clube de Engenharia, na rua Líbero Badaró. O povo fazia fila, e a cada hora um grupo tinha a oportunidade de ver o que era a televisão. As transmissões eram feitas do Hospital das Clínicas. Durante um dos intervalos, de cara pintada, Arrelia debruçou-se no terraço do primeiro andar do hospital para espiar a rua, distraído. Nisso ia passando um casal de velhos, de braços dados. A mulher olhou para cima e na mesma hora cutucou o marido:

- Olha só, Tonho! Que doença feia a do coitado daquele moço!

Waldemar Seyssel pertence à terceira geração de uma ilustre família circense da França.

Augusto, o avô de Waldemar, que iniciou essa tradição, era de origem burguesa. Seus pais, gente muito rica e importante, deserderam-no quando - tornando realidade uma expressão muito usada - fugiu com a bailarina de um circo que passou por sua cidade. E fêz-se palhaço. Os Seyssel vieram para o Brasil em 1886, numa excursão do então famoso Circo Fernandez.

Depois de algum tempo, resolveram criar seu próprio circo. Fernando, pai de Waldemar, logo tornou-se chefe do clã. Era palhaço também. Usava o nome de Pinga-Pulha e trabalhava em dupla com Puxa-Puxa, seu irmão. Daí surgiria um circo que ia ficar célebre: Irmãos Seyssel.




O aprendizado da arte e técnica circense sempre passou de pai para filho. Com os Seyssel não foi diferente. E o treinamento era diário, puxado. Como a vida do circo era estar um dia numa cidade, no dia seguinte em outra - sempre viajando - da companhia fazia parte um professor, contratado para alfabetização e ensino de Humanidades às crianças. Todo ano elas prestavam exames nas escolas oficiais, recebendo certificados no fim dos cursos. As viagens acrescentaram outro detalhe à família de Fernando: seus dez filhos nasceram cada um num Estado. Waldemar nasceu no Paraná e era o mais tímido e sem jeito para o circo.

Aprendera as técnicas e fora iniciado nas artes, porém - como não mostrasse interesse ou pendor especial algum - conseguia escapar das excursões. Então ficava em Campinas, estudando e fazendo companhia à sua mãe doente. Encontrava-se com o resto da família apenas quando o circo voltava a Campinas ou parava em São Paulo.

Em 1927, Fernando também adoeceu: o circo estava sem o palhaço principal. Foram feitas várias tentativas com outros membros da família, mas ninguém correspondia ao que Fernando esperava de uma atração máxima.

Foi quando ele pensou em Waldemar. De comum acordo com os irmãos, filhos e sobrinhos, resolveu fazer uma experiência com o rapaz. Mas, conhecendo a falta de interesse e a provável recusa do filho, traçou um plano. A família toda aprovou-o. No dia marcado, Waldemar foi convidado para assistir ao espetáculo por detrás da cortina. No meio do show, o plano entrou em execução: Waldemar foi agarrado à força e, enquanto esperneava e gritava, empoaram-lhe o rosto, vestiram-lhe roupas largas e coloridas e atiraram-no no meio do picadeiro. Foi um tremendo tombo, de mau jeito. Apavorado e com o corpo dolorido, ele se viu cercado por todos os palhaços que riam, faziam micagens e davam-lhe pontapés e tapas. Só com a queda espetacular e extra-programa, o público já havia caído na gargalhada. Cheio de raiva, Waldemar levantou-se, foi em cima de um dos palhaços, agarrou-o pela roupa e deu-lhe violento bofetão. Novas gargalhadas. Mas o palhaço não gostou do tapa e avançou furioso. O jeito era fugir. Desorientado, em lugar de sair pelo fundo, Waldemar, perseguido, saltou para o meio do público, que ria sem parar. Quando conseguiu chegar ao camarim, exausto e com o corpo todo tremendo, ouviu estrepitosa salva de palmas. O pai foi buscá-lo e os aplausos só iam parar depois que ele reaparecesse no picadeiro. O sucesso foi tão grande que seu primo - o palhaço que levou o bofetão - de cara inchada, foi abraçá-lo, comovido. Acabava de nascer um grande palhaço naquela tarde de 1927, no Largo do Cambuci, em São Paulo.

- Até hoje sinto a dor daquele tombo, o medo do palhaço que agredi, minhas primeiras risadas e meus primeiros aplausos.

Mas foi mais para cumprir seu dever com a família do que pelo sucesso dolorido da primeira aparição pública que Waldemar resolveu aceitar o desafio: seria um palhaço, sim, porém também alguma coisa diferente e nova.

No outro dia, como era impossível lembrar a máscara que lhe haviam feito às pressas e aos trancos, Waldemar resolveu estudar outra. Começou pela cabeleira. Não recordar como era a original, mas escolheu os desenhos e cores para rosto em função dela.

O nariz começou enorme e ele foi diminuindo-o sempre, até chegar à atual ponta vermelha arrebitada. Depois vinha a boca. Estudando sua própria fisionomia, notara a necessidade de um ponto móvel no rosto que servisse de atração imediata para o público. Seu lábio superior é longo. Falando diante do espelho, percebeu que movimentava-o exageradamente. Então era por ali - se bem valorizado pela pintura - que forçaria o público a prestar atenção à sua figura cômica. Aumentou o beiço com tinta branca. Com um pouco de cor roxa, alargou o lábio inferior também. Os olhos são pequenos. Para destacá-los, precisava levantar as sobrancelhas. Inventou uma, curta, loira, com os pelos eriçados, aplicados no meio da testa. Duas manchas laterais vermelhas na face, unindo os olhos, orelhas e quase chegando ao beiço branco e estava pronta a cara.

No começo, usou colarinho grande, luvas enormes, e grossa bengala. Mas tudo isso o incomodava, prejudicando o tipo de graça que se sentia capaz de fazer e que pedia muito pouco desses acessórios tradicionais. Entretanto, o pai gostava deles e Waldemar não o queria ferir. A solução foi ir perdendo essas coisas, uma a uma. Também as roupas, que eram especiais e largas, ele foi substituindo por menores e, finalmente, passou a usar ternos comuns.

A bengala foi trocada por uma de tamanho normal. Ficou somente a gravata de boêmio do século passado, porque Waldemar sente na personagem do Arrelia uma ingênua vaidade fora do tempo.

Os gestos, curtos, rápidos, acompanham a mímica facial - Arrelia está em constante movimento, como os meninos inquietos e levados. É na maneira de falar, entretanto, que mais se caracteriza. Desde o começo achou necessário encontrar alguma forma de dizer qualquer coisa banal e fazer rir também. Descobriu-a em Pirassununga, em 1930. Andava por uma rua quando passou sobre a cidade, em vôo baixo, um teco-teco. Uma mulher saiu correndo para a calçada e começou a gritar:

- Vem Veulta! Vem ver o orolplauno! Vem Veulta! Noulssa Senhoulra, pareulce um urubulzão!

Waldemar achou tão gozado e riu tanto do jeito da mulher falar que tratou logo de travar amizade, só para ouvi-la. E conseguiu, mas era dificil disfarçar o riso ouvindo-a contar caulsos.

A forma de falar marcou o palhaço definitivamente. Certa vez, recebendo homenagem na Escola Normal de Campinas, ele foi saudado por uma moça num longo discurso. Começava assim:

- Noulsso queriuldo Arreulia!

Na criação de seu palhaço, Waldemar só não planejou um detalhe cômico que nasceu naturalmente: é aquele em que Arrelia interrompe subitamente sua própria fala e sorve o ar intensamente, de boca aberta. Sua entrada repentina para o circo não lhe havia dado tempo para estudar dicção. Assim, não respirava corretamente, sendo obrigado a buscar fôlego no meio das frases. Até que um dia resolveu treinar respiração para as falas. Mas quando começou a caprichar, um admirador e amigo procurou-o após o espetáculo:

-Ah, Arrelia, por que você não faz mais aquelas engolidas de ar tão engraçadas no meio das palavras?

Deixou a dicção de vez.



Waldemar Seyssel abandonou o circo em 1952, quando o seu pegou fogo. Estavam no Vale do Anhangabaú. Ele já vinha fazendo show em rádio e teatro, com enorme sucesso, enquanto a situação financeira dos circos em geral era péssima. Waldemar acha que essa decadência da arte circense começou com a introdução dos dramalhões e a utilização do palco sobre o picadeiro. Isso desvirtuava o verdadeiro sentido do circo, mas com o passar do tempo era inevitável, principalmente pelo alto custo da produção de um bom espetáculo.

Hoje, por menos de 100 milhões de cruzeiros não se monta um circo razoável. A folha de pagamento semanal de uma companhia completa chega a cinco milhões. E os ingressos, por se tratar de espetáculo eminentemente popular, não podem custar mais de quinhentos cruzeiros nas gerais e mil nas cadeiras. Como as possibilidades de lucro compensador passaram a ser mínimas, famílias inteiras de gente de circo foram deixando o Brasil, enquanto artistas famosos se transferiram para o musicado, para o cinema e para a televisão: o próprio Waldemar, Oscarito, Walter Stuart, Ankito, Walter D´Avila, Colé.

Começando na Televisão Paulista e passando depois para a Record - onde está há 14 anos, aos domingos - o Circo do Arrelia sempre fez enorme sucesso.

Nos seus dias de folga, Waldemar Seyssel apresenta-se de graça com os seus companheiros inseparáveis Pimentinha e Henrique - em favor de obras e campanhas dedicadas às crianças pobres e doentes. Ele ainda tem esperança no futuro do circo no Brasil, mas apenas se for aprovado um projeto de lei que um dia entregou a um deputado e que parece esquecido. Sua idéia é a de criação de uma escola para a formação do profissional circense, na qual todos os grandes artistas e homens de circo transmitiriam seu conhecimento e experiência. Surgiriam então as novas gerações de equilibristas, mágicos, malabaristas, trapezistas, palhaços, tudo. As crianças dos asilos e orfanatos, aparentemente sem futuro, poderiam se transformar em grandes artistas, ou pelo menos, ter uma profissão.

Com novos profissionais e uma equipe de artistas bons e bem formados, poderiam surgir os circos oficiais que os utilizariam como é feito em outros países. Para Waldemar, o Circo de Moscou é um exemplo da vitalidade universal dessa arte quando corretamente protegida: é o último sonho do Arrelia e a esperança do Waldemar.

- Estou envelhecendo e gostaria de deixar o Arrelia como herança para um desses garotos de orfanato que a gente faz rir em espetáculos beneficientes ou para qualquer um daqueles que o Waldemar encontra à noite dormindo nas calçadas. Mas apenas com a Escola isso seria possível.

Só quando pensa essas coisas, Waldemar é Arrelia, mas não parece um palhaço."


(Publicado in Revista Realidade, ano I, nº 7, outubro 1966, tiragem: 485.700 exemplares.)


domingo, 25 de abril de 2010

Colombaionis!


Romano Colombaioni, clown amato da Federico Fellini e Dario Fo.

In scena, la semplicità e la poetica di un clown musicale, la sua riflessione sulla solitudine caratteristica della contemporaneità, la scoperta, nella leggerezza di un sorriso, di un modo per guarirne. Se, come sosteneva Buñuel, “la differenza tra realtà e sogno non esiste, poiché tutto è sogno”, il protagonista di Alone Together crede nella forza propositiva dei sogni, nella loro capacità di trasformare una vita che si fa fatica ad affrontare o che si ha paura di vivere fino in fondo.

Nello spettacolo, il lavoro d’attore su corpo, voce, movimento e ritmo va alla ricerca di una comunicazione diretta, onesta e sincera con il pubblico, dello stupore dell’atmosfera sospesa che si viene a creare tra attori e spettatori, come in un antichissimo rito laico.






Carlo Colombaioni, palhaço conhecido mundialmente por sua colaboração com Federico Fellini (“Le notte di Cabiria”, “La Strada”, “I Clown”, “Amarcord”, “Roma”, “Casanova”), pertenceu a esta estirpe de palhaços, herdeiros da commedia dell'arte, que junto com seu cunhado Alberto trocou a lona do circo pela cena dos teatros, o cinema e a televisão para poder sobreviver. Carlo praticava um estilo tradicional se o compararmos a outras figuras do gênero, como Jango Edwards ou Leo Bassi. Usava apenas acessórios e a estrutura de seus espetáculos era uma sucessão de sketches nos quais, fazendo uso da farsa e da desmistificação levava à cena os temas mais diversos. Foi sem dúvida um dos maiores clowns contemporâneos.





Carlo Colombaioni










Carlo Colombaioni





Os irmãos Alberto e Carlo Colombaioni










Nani e Leris
Nani e Leris Colombaioni Eles descendem de uma das mais antigas famílias italianas de tradição "clownesca". A companhia em que atuam foi fundada pelo pai de Léris, Nani Colombaioni, que parte de seu pai Nani Colombaioni, grande clown e um dos protagonistas do filme I Clown, de Frederico Fellini.
A arte de ser clown Léris apreendeu com seu pai, Nani, e mantém até hoje, com mulher e filhos, com o Circo Colombaioni. "O sentido do clown, para nossa tradição, está em alegrar, em tirar um sorriso. Ele pode fazer malabáris, música, o que for, mas tem de alegrar", diz Léris. Os Colomboiani desenvolveram sua própria maneira de ser um palhaço; de levar as pessoas a alegria do quase mundialmente abandonado circo de família. A história deles com esta arte data de 400 anos, quando sua avó Catarina Delacqua casou-se com Alfredo Colombaioni. Catarina já vinha do casamento de duas famílias da Comédia del Art, Delacqua e Travaglia,os precursores da arte de alegrar.




Leris




Leris´ Circus Ercolino, in Italy








Leris



Leris

"Muitos podem pensar que fazer clown é simplesmente vestir a roupa de palhaço, mas não funciona bem assim."
O clown italiano Leris Colombaioni tem uma queda por gastronomia. Tal como os pizzaiolos de seu país, traz na ponta da língua a receita e o modo de fazer de uma iguaria daquelas. Só que no seu caso não se tratam de redondas, mas de um clown. Os ingredientes seriam parecidos com os das pizzas: mussarela, tomate e pimenta. Mas a razão da escolha é outra: O queijo representa o branco, símbolo da ingenuidade, da alma e da pureza do palhaço; o vermelho do tomate é a cor prevalente do clown e a pimenta faz alusão à energia que o artista da graça deve ter em cena.

Nasceu em berço de ouro. Não no sentido de riqueza monetária, mas de tradição artística: sua nonna (do italiano: avó), como gosta de lembrar Catarina Delacqua, descende de artistas de Commedia Dell'Arte. Já seu pai, Nani Colombaioni, morto em 1999, é considerado um dos grandes clowns de todos os tempos. Prova disso, é que se tornou assessor de Federico Fellini (1920-1993) quando a dúvida do cineasta era no campo da palhaçada. E foi ao lado de Nani que Leris aterrissou no Brasil pela primeira vez em 1998, a fim de apresentar no evento Anjos do Picadeiro o espetáculo Um pouco de tudo, praticamente nada.

De lá para cá, Leris, de 56 anos, tem atuado como mestre cuca na preparação de novos clowns pelo País, por meio de cursos e oficinas ministrados com certa regularidade. Serviço que alia com a direção cênica de espetáculos de grupos brasileiros, entre os quais La Mínima, Lume Teatro, Seres de Luz, Teatro de Anônimo e As Graças. Aliás, foi para dar suporte ao espetáculo Como Saber?, do último grupo, que Leris retornou a São Paulo, em 2009. Aproveitou a estada para ministrar o curso Palhaçaria Clássica no Espaço Cultural Semente, em Barão Geraldo. Antes da abertura oficial do workshop, conversou com o Caderno C. Confira a seguir trechos do bate-papo.

Agência Anhanguera - Como a arte da representação teatral popular entrou em sua família?

Leris Colombaioni - A origem está ligada ao teatro ambulante, de comediantes de rua, especificamente pertencentes ao gênero da Commedia Dell'arte. Isso se remonta a 1660. Minha avó, Catarina Delacqua, descendia da família Travaglia, de grande tradição da Commedia Dell'Arte na Itália. No final de 1700, por conta do nascimento do circo, meus antepassados artistas migraram para essa estrutura de espetáculo. Por volta de 1900, minha avó conhece meu avô e não se separam mais. Meu avô, Alfredo, não era de circo e sim um filho de garçom, mas desde pequeno participou de uma trupe de ginastas. Antes de se apresentar em circo por conta de minha avó, ele fazia shows em teatros e velódromos, durante competições de bicicletas.

Sua estréia no picadeiro aconteceu aos 4 anos no circo de seu pai. Houve algum preparo, um ensaio talvez, ou o senhor caiu na pista de supetão?

Meu pai chegou e me disse: "Vamos armar o circo e amanhã você trabalha". Teve que ser assim. No outro dia, montamos o circo, que não era um de lona. Era aberto, todo rodeado por tábuas de madeira presas por pregos, que eram sempre reutilizados. E foi ali que aconteceu o meu debut, no dia 3 de julho de 1958, em Roma. Antes de entrar na pista, meu pai me deu apenas algumas coordenadas do tipo: "Você faz isso, diz aquilo e fala aquilo outro."

Antes de ser batizado no picadeiro como Ercolino, o seu palhaço teve outro nome. Conte esse episódio.

Na primeira noite que me apresentei, meu pai me batizou de Gianduia, que era o nome da máscara de Commedia Dell'Arte prevalente da cidade onde nasci, que foi Torino. Só usei esse nome uma única vez, porque logo depois meu pai trocou. Gianduia não significava nada para a plateia do nosso circo. Por serem bem populares, muitos analfabetos, os espectadores não entendiam aquela referência. Então, fui rebatizado de Ercolino (nome de um brinquedo italiano popular aos moldes do João Bobo brasileiro), que uso até hoje e que virou o nome do nosso circo.

Recorda-se dos primeiros números que executou no picadeiro?

A minha primeira entrada na pista foi com Bárbara, minha irmã. Ela entrava para executar seu último número, que era de trapézio. Nisso, eu, embaixo dela, vestindo uma calça larga, esperava meu pai ordenar: "Ercolino, coloque a rede de proteção!". Para fazer graça, eu esticava a calça, como se fosse para ela pular ali dentro. Depois disso, meu pai me perguntava se eu conhecia os animais. Eu dizia que sim. A partir daí, ele me questionava: "Qual animal que fica em casa e que tem quatro patas?". Eu respondia: mesa, cadeira, armário... (risos). Quando completei 7 anos, passei a aprender números acrobáticos, primeiro parada de mãos, depois saltos.

O Circo Ercolino era fixo ou excursionava pela Itália?

Não era possível viajar. A gente não tinha nada, não tinha estrutura. As poucas coisas que contávamos eram com uma mesa grande, que depois do espetáculo nós usávamos para dormir debaixo, e um tapete, resíduo da guerra, que colocávamos por cima.

De que forma, então, percorriam os arredores de Roma?

Não tínhamos caminhão. Por isso, meu pai precisava pegar emprestado. Sei que, mesmo com o transporte, toda vez que nossa família necessitava percorrer cinco ou seis quilômetros, a gente saía de manhã e só chegava à noite. O homem que emprestava o caminhão ao meu pai era muito generoso. Meu pai perguntava a ele: "Quanto eu te devo?" Ele respondia sempre: "Depois, depois...". Nunca pagamos.

Há alguma história dessa época digna das pilhérias de picadeiro?

Bem antes de o meu pai conseguir comprar um caminhãozinho inglês, também resíduo da guerra, construímos uma pequena carroça. Nossa família sentava ali e aquele senhor generoso, com seu caminhão, puxava-nos. Não me lembro a razão, mas sei que meu pai ganhou um burro e o colocou para puxar a carroça. Num dia, na hora da partida, o burro empacou. Não mexia as patas de jeito nenhum. Meu pai teve que colocar o burro em cima da carroça junto com as nossas tralhas. O pior foi todos nós descer para empurrar a carroça (risos).

Nessa época, havia alguma situação que apagava o sorriso dessa família de palhaços?

A falta de comida. As pessoas iam para o circo e levavam vinho, pães e queijos. Nós, então, aproveitávamos a situação para comer. Só de primeira comunhão fiz mais de trezentas vezes. Nos lugares por onde passávamos, as pessoas queriam saber do meu pai se Ercolino tinha feito primeira comunhão. Meu pai respondia: Não! Ao ouvir a resposta, as pessoas se juntavam e faziam o almoço para celebrar a cerimônia. Aniversário? Perdi as contas de quantos fiz. Era para eu ter hoje mais ou menos uns 3 mil anos. Isso não era um modo de enganar as pessoas, mas de ter a oportunidade para comer.

Demorou muito para a família Colombaioni adquirir uma lona própria?

Em 1962, já com a fama de um grande artista, meu pai foi chamado para trabalhar no Circo Darix Togni que, ao lado do Medrano, foi um dos maiores de toda a Europa. Lá ele ganhou dinheiro suficiente para comprar a nossa própria lona, feita de algodão. Cortamos aquele algodão, que era o mesmo utilizado nos cenários de teatros, e o impermeabilizamos com parafina. Em tempos de chuva, a lona aguentava apenas três dias. Depois disso, tínhamos que fazer o processo da parafina de novo.

Nani Colombaioni, seu pai, esteve ao lado como assessor do grande cineasta italiano Federico Fellini em filmes como La Strada e I Clowns. Como se estabeleceu essa amizade?

Foi nos anos 50. O mestre (se refere a Fellini assim) foi um grande apaixonado pelo circo. Onde enxergava uma barraca ou uma lona ele parava. Num dia, o mestre parou no nosso, conheceu meu pai e se tornaram amigos. Por exemplo, você pega La Strada e dá para perceber que aqueles personagens lembram a nossa família. A história era diferente, mas a estrutura do circo, a lona, o tecido eram tudo iguais. Em I Clowns, que participei quando tinha 14 anos, isso se repete. Nesse filme, a única família de lona é a nossa, o restante são atores de teatro de feira e de variedades. Na verdade, meu pai era um conhecimento ambulante da arte circense. Dessa maneira, as dúvidas que o Fellini tinha durante as filmagens Nani era quem as solucionava.

O Circo Ercolino está em atividade há 51 anos ininterruptos. No entanto, sofreu algumas modificações na temporada. O que mudou?

Desde de 1993, instalado em Netuno, o circo só entra em temporada durante o mês de agosto, por causa do verão. Atuam eu, minha mulher Mary, meus filhos: Lenny, Barry e Wendy, com seu marido Marco e minha neta Daiana.

A estrutura dos espetáculos também se modificou?

Não. Os espetáculos funcionam da mesma forma quando começamos: números, sejam eles acrobáticos, de equilíbrio, malabarismo ou de pirofagia; esquetes de clowns; e também representação de farsas, que têm um enredo maior e uma dramaturgia própria. O que fazemos lá de interessante, e isso devo graças a Nani e Carlo Colombaioni, meu tio, é levar o clown para as representações teatrais e trazer o cômico teatral para a pista.

Para o senhor, que vem de uma família tradicional de circo e de teatro popular, é possível ser um grande clown sem ter nascido sob uma lona?

Não é porque você nasceu no circo que se torna mais fácil fazer um clown. Não! É bem pior. Filho de artista é um problema, porque sempre vão esperar dele a perfeição. Claro que é uma fortuna impagável nascer num ambiente como aquele, que desde de pequeno se convive com a arte. Você se sente protegido. No entanto, quando a pessoa tem vontade, paixão, e eu vejo isso muito no Brasil, não há nenhum impedimento. Muitos podem pensar que fazer clown é simplesmente vestir a roupa de palhaço, mas não funciona bem assim. A base de tudo é a humildade aliada ao estudo. E saber onde estudar é importante. O bom professor é aquele que te ensina como se portar e o que não fazer na pista. Mas quando vejo jovens querendo aprender a ser clown para mim é uma grande emoção.

Tem alguma arte que o senhor quis aprender, mas não teve aptidão?

Eu sempre quis desenhar. Eu queria muito, muito... Mas não deu.

Como o senhor enxerga, sendo um herdeiro de escola europeia, o clown brasileiro?

No começo, o que mais me chocou foi a confusão de cores, seja na maquiagem como no figurino. Para mim, parecia que o clown brasileiro tinha caído da escada e se apresentava daquele jeito. O clown não é um ser que se veste de pano de chão. Até quando ele faz um mendigo, esse mendigo deve ter uma roupa adequada, como um fraque de estopa, por exemplo. Também percebi a falta de um sapato de clown, que para nossa tradição europeia é imprescindível.

Depois de mais de dez anos de intercâmbio com Brasil, sua visão continua a mesma?

Hoje, percebo que as coisas se modificaram. (Toma em mãos um banner com a foto do palhaço brasileiro Carequinha). Não o menciono como clown, mas como um mestre, que influenciou as gerações de palhaços do Brasil. A parte debaixo de sua maquiagem traz uma grande influência do clown norte-americano, a grande referência do Brasil, em compensação a de cima, se mostra a tradição italiana e francesa. Nele, vejo a elegância que um clown deve ter. Porém, num certo momento do Brasil, a arte desses mestres não teve seguimento. Seus filhos ou netos não quiseram seguir os mesmos passos. E isso atrapalhou muito. Foi por essa falta de prosseguimento, a razão daquela confusão de cores toda.

Publicado in Correio Popular - Caderno C, setembro/2009, p.08    http://www.circonteudo.com.br/v1/


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